sábado, 10 de novembro de 2007

O Mistério das Cousas, por Caieiro


(Fernando Pessoa)

Há Metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber o que não sabem?
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo" ...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas,
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De que, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

sábado, 3 de novembro de 2007

A deficiência está no coração... =/

Cego não é só aquele que não vê...mas sim pessoas incapazes de enxergar o próximo passando fome, sede, frio e injustiças por aí ...

Surdos não são só aqueles que não ouvem, mas sim aqueles que não querem ouvir o mundo gritando por socorro, por justiça, por ajuda.

Os deficientes não são só aqueles que não andam, não falam, não ouvem, não vêem, mas sim todas aquelas pessoas fracas que não conseguem ajudar aos outros e a si mesma...
Até quando pessoas irão passar fome ?
Até quando pais irão espancar filhos ?
Até quando haverá guerra ?
Até quando iremos ficar deficientes, cegos, surdos e mudos ?

A deficiência ou melhor o “problema” não está fora e sim dentro de cada um de nós ...

Texto: Carlos Eduardo. In: Comunidade no Orkut homônima ao post...

*Meio piegas, mas, achei interessante ter algo assim escrito em um comunidade no Orkut...

domingo, 21 de outubro de 2007

Atitude, Preconceito e Estereótipo


Por Regina Célia de Souza

Para compreender o que é o preconceito, convém entender primeiro o conceito de atitude baseado nos estudos da Psicologia Social.

ATITUDE é um sistema relativamente estável de organização de experiências e comportamentos relacionados com um objeto ou evento particular.

Para cada atitude há um conceito racional e cognitivo - crenças e idéias, valores afetivos associados de sentimentos e emoções que por sua vez levam a uma série de tendências comportamentais – predisposições.

Portanto, toda atitude é composta por três componentes: um cognitivo, um afetivo e um comportamental:

a cognição – o termo atitude é sempre empregado com referência à um objeto. Toma-se uma atitude em relação à que? Este objeto pode ser uma abstração, uma pessoa, um grupo ou uma instituição social.
o afeto – é um valor que pode gerar sentimentos positivos, que por sua vez gera uma atitude positiva; ou gerar sentimentos negativos que pode gerar atitudes negativas.
o comportamento –a predisposição : sentimentos negativos levam a aproximação e negativos ao esquivamento ou escape.
Desta forma, entende-se o PRECONCEITO como uma atitude negativa que um indivíduo está predisposto a sentir, pensar, e conduzir-se em relação a determinado grupo de uma forma negativa previsível.

CARACTERÍSTICAS DO PRECONCEITO:

É um fenômeno histórico e difuso;
A sua intensidade leva a uma justificativa e legitimização de seus atos;
Há grande sentimento de impotência ao se tentar mudar alguém com forte preconceito.
Vemos nos outros e raramente em nós mesmos.
EU SOU EXCÊNTRICO, VOCÊ É LOUCO!

Eu sou brilhante; você é tagarela; ele é bêbado.
Eu sou bonito; você tem boas feições; ela não tem boa aparência.
Eu sou exigente; você é nervoso; ele é uma velha.
Eu reconsiderei; você mudou de opinião; ele voltou atrás na palavra dada.
Eu tenho em volta de mim algo de sutil, misterioso, de fragrância do oriente; você exagerou no perfume e ele cheira mal.

CAUSAS DO PRECONCEITO:

Assim como as atitudes em geral, o preconceito tem três componentes: crenças; sentimentos e tendências comportamentais. Crenças preconceituosas são sempre estereótipos negativos.

Segundo Allport(1954) o preconceito é o resultado das frustrações das pessoas, que em determinadas circunstâncias podem se transformar em raiva e hostilidade. As pessoas que se sentem exploradas e oprimidas freqüentemente não podem manifestar sua raiva contra um alvo identificável ou adequado; assim, deslocam sua hostilidade para aqueles que estão ainda mais "baixo"na escala social. O resultado é o preconceito e a discriminação.

Já, para Adorno(1950) a fonte do preconceito é uma personalidade autoritária ou intolerante. Pessoas autoritárias tendem a ser rigidamente convencionais. Partidárias do seguimento às normas e do respeito à tradição, elas são hostis com aqueles que desafiam as regras sociais. Respeitam a autoridade e submetem-se a ela, bem como se preocupam com o poder da resistência. Ao olhar para o mundo através de uma lente de categorias rígidas, elas não acreditam na natureza humana, temendo e rejeitando todos os grupos sociais aos quais não pertencem, assim, como suspeitam deles. O preconceito é uma manifestação de sua desconfiança e suspeita.

Há também fontes cognitivas de preconceito. Os seres humanos são "avarentos cognitivos" que tentam simplificar e organizar seu pensamento social o máximo possível. A simplificação exagerada leva a pensamentos equivocados, estereotipados, preconceito e discriminação.

Além disso, o preconceito e a discriminação podem ter suas origens nas tentativas que as pessoas fazem para se conformar(conformidade social). Se nos relacionamos com pessoas que expressam preconceitos, é mais provável que as aceitemos do eu resistamos a elas. As pressões para a conformidade social ajudam a explicar porque as crianças absorvem de maneira rápida os preconceitos e seus pais e colegas muito antes de formar suas próprias crenças e opiniões com base na experiência. A pressão dos colegas muitas vezes torna "legal" ou aceitável a expressão de determinadas visões tendenciosas – em vez de mostrar tolerância aos membros de outros grupos sociais.

REDUÇÃO DO PRECONCEITO:

A convivência, através de uma atitude comunitária é , talvez a forma mais adequada de se reduzir o preconceito.

COMO FUNCIONA O ESTEREÓTIPO:

É um conjunto de características presumidamente partilhadas por todos os membros de uma categoria social. É um esquema simplista mas mantido de maneira muito intensa e que não se baseia necessariamente em muita experiência direta. Pode envolver praticamente qualquer aspecto distintivo de uma pessoa – idade, raça, sexo, profissão, local de residência ou grupo ao qual é associada.

Quando nossa primeira impressão sobre uma pessoa é orientada por um estereótipo, tendemos a deduzir coisas sobre a pessoa de maneira seletiva ou imprecisa, perpetuando, assim, nosso estereótipo inicial.

RACISMO:

É a crença na inferioridade nata dos membros de determinados grupos étnicos e raciais. Os racistas acreditam que a inteligência, a engenhosidade, a moralidade e outros traços valorizados são determinados biologicamente e, portanto, não podem ser mudados. O racismo leva ao pensamento ou/ou:ou você é um de nós ou é um deles.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

McDavid, John e Harari, Herbert. Psicologia e comportamento social. Ed. Interciência. RJ. 1974.

Morris, Charles G. e Maisto, Albert A. . Introdução à Psicologia. Ed. Pearson e Prentice Hall. SP. 2004.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Brecht

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Um pouco de poesia...

Poema em linha reta

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Minha pesquisa...

Embora o título seja: " minha pesquisa"... isso significa muito mais pra mim, muito mais!!!!
Pesquisar e ver a possibilidade real de aplicação na realidade me deixa cheia de empolgação para sempre continuar...

Minha ciência é a social... Lido com pessoas!!! Sentiria-me 'inútil' se não pudesse dar a elas o retorno tão merecido...

Essa semana tive o prazer de apresentar meu trabalho no CIC da facul. Foi ótimo!
Por 15 min tive interlocutores que prestaram atenção ao tema tão merecido de atenção...
Perguntas, observações, pude perceber quantas barreiras ainda terei que derrubar: há quem pense que 'povo da rua' não seja um segmento social capaz de formar 'intelectuais orgânicos'... Oras, 'povo da rua' é uma categoria política!!!

Sem mais, escrevo algumas epígrafes:

"O liberalismo do Estado previdenciário invoca uma liberdade ambígua e uma igualdade inconsictente, mas esquece-se da fraternidade". (Macpherson)

"(...) Inútil fechar os olhos. Insuficiente os reiterados esforços para esconder a mendicância, abafar os mendingos, prendê-los, reeducá-los, reduzi-los a assistidos sociais. Eles sempre surgem. Testemunham contra a sociedade e suportam pessoalmente o estigma nos limites da miséria (...)" (Ferreira de Camargo)

E, por fim, minha dedicatória, que tomo emprestada do mestre Freire:

"Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam".

domingo, 30 de setembro de 2007

Dilectio Mundi


Ando lendo sobre diversas coisas...

Ando experimentando o mundo de diversas formas...
Faz-se necessário escrever!

"Dilectio Mundi"....
Usando as palavras de Adriano Correia: "O homem só se sente em casa no mundo, quando também o faz, mas isso já implica amá-lo (dilectio mundi)". (2007: 20).
Lindo, não é mesmo?

Eu sou uma pessoa que sistematicamente está em crise... Viver é estar em crise?
Penso que pensar é estar, permanecer, ficar em crise. Não há como!

A vida se faz de aspirações a novas aventuras intelectuais e táteis, vicerais...
Lembrarei-me sempre do sábio Paulo Freire que diz que aprender é estar em crise. Há sempre a dúvida entre continuar aprendendo e voltar ao local seguro: mergulhar de cabeça nesse novo tipo de experiência é afastar-se de si mesmo! Isso nunca é fácil, muito pelo contrário...

E nesse processo, os anos de estudo de Antropologia me permitem pensar no processo de contato com a alteridade, que deve ser respeitoso, mas, que acima de tudo nos faz conhecer-nos a nós mesmos! De maneira surpreendentemente, de forma que nos estranhemos a nós mesmos...
Ciências Sociais é esse eterno paradoxo de ser objeto de nós mesmo! Amo isso!!! Escolhi isso pra minha vida: pensar sistematicamente o mundo em qual vivo. Não há razão de existir do pensamento disvinculado da práxis.

Bem... criei esse espaço para refletir um pouco mais sobre essas coisas, pra ter mais espaço pra escrever sobre minhas pesquisas, ou seja, sobre nós: incondicionalmente seres humanos.